IA não existe e nunca existirá

Detalhe de O Jardim das Delícias Terrenas, do pintor Hieronymus Bosch. Hoje em dia isso é considerado “conteúdo” pelo pessoal das big techs.

É clickbait que chama? Pois é.

Por causa do meu trabalho, tenho contato quase todos os dias com esse pessoal que acredita em usar inteligência artificial para absolutamente tudo e que não existe futuro possível sem ela. E que é inteligência artificial MESMO, e não um monte de scripts reagindo a prompts de texto baseados em material na sua maioria roubado dos seus autores. É uma chateação sem fim.

No entanto, quando estou tentando buscar o contraponto quase sempre observo o extremo oposto na ala que se dedica a bater os tambores de que isso vai acabar com todos os empregos do mundo. Que não haverá espaço algum para a agência humana diante da máquina que sabe fazer tudo. Ou que simplesmente o planeta será exterminado no processo. É outra chateação sem fim.

Tento sempre ser crítico com os extremos, mas algumas vezes o único caminho é criar a sua própria hipérbole e se divertir. Começou em grupos de WhatsApp com amigos, onde passei a compartilhar notícias dos muitos reveses recentes das big techs que estão apostando todas as fichas em alguma espécie de inteligência artificial e dando com os burros n’água (sempre quis digitar essa expressão) ou simplesmente consolidando seus monopólios na base da força bruta ao mesmo tempo em que o poder público finalmente parece começar a reagir. E toda vez que passava adiante um pouco do ridículo proporcionado por esse messianismo digital acabava assinando com meu novo bordão:

IA não existe e nunca existirá.

É piada, mas também não é. Por isso sigamos.

Tenho lido tanta coisa sobre isso que tem me feito sorrir meio aliviado e meio nervoso que nem sei por onde começar. Na verdade sei: esse post do Nikhil Suresh é uma obra-prima de humor ao mesmo tempo crítico, melancólico e desesperado com o estado atual de toda essa ladainha:

I Will Fucking Piledrive You If You Mention AI Again

I’m going to ask ChatGPT how to prepare a garotte and then I am going to strangle you with it, and you will simply have to pray that I roll the 10% chance that it freaks out and tells me that a garotte should consist entirely of paper mache and malice.

Além da catarse, no texto ele elabora muito bem sobre o papel de executivos, consultores e falsos messias do Vale do Silício em tentar vender a tecnologia como algo que ela simplesmente não é. Tudo, é claro, para tentar emplacar o retorno financeiro enorme que prometeram aos seus acionistas. Isso funcionou por algum tempo, mas além de claramente estar se configurando uma bolha, talvez ela já tenha até estourado.

Outra fonte de informação e humor corrosivo sobre esse assunto é o Better Offline. Tanto no podcast quanto na sua newsletter Ed Zitron recebe convidados para descascar absurdos do mundo de IA, mas também do rumo das big techs em geral. Recomendo especialmente seus episódios sobre a OpenAI e essa verdadeira diatribe contra o executivo que teria destruído o mecanismo de busca do Google. Zitron algumas vezes admite estar totalmente possuído pelo ódio quando está produzindo seu material e isso adiciona uma camada extra de deleite que a essa altura simplesmente não dá para recusar.


PS: um dia depois de postar sobre minha irritação com todo esse papo de IA, eis que finalmente encontro um texto equilibrado sobre o assunto. Ouvi na versão podcast, mas também está disponível o texto original no Guardian:

  • No god in the machine: the pitfalls of AI worship (podcast | texto)

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