Agora eu enxergo é nada
#1
Não lembro exatamente quando nem onde foi a primeira vez em que me deparei com o conceito de aphantasia. Alguém me alertou a respeito? Caiu aleatoriamente no meu feed nas redes sociais onde não estou mais? Só sei que faz alguns anos e envolvia alguma das tantas repercussões na mídia a respeito do estudo contemporâneo mais detalhado do assunto. A pesquisa foi feita pela equipe do professor Adam Zeman da universidade de Exeter e o artigo mais famoso publicado em 2015.
Mas o conceito de aphantasia já havia sido abordado lá em 1880 por Francis Galton (que, por sua vez, era primo de Charles Darwin. Mas vamos adiante).
Enquanto Galton conduzia uma de suas pesquisas, ficou meio abismado ao perceber que a proporção de seus pares cientistas que relatavam ser incapazes de entreter imagens mentais parecia ser ainda maior que a média:
To my astonishment, I found that the great majority of the men of science to whom I first applied, protested that mental imagery was unknown to them, and they looked on me as fanciful and fantastic in supposing that the words “mental imagery” really expressed what I believed everybody supposed them to mean. They had no more notion of its true nature than a colour-blind man who has not discerned his defect has of the nature of colour.
Em estudos mais atuais (2022), assume-se que por volta de 0.8% da população mundial é incapaz de produzir quaisquer imagens mentais. Já 3.9% das pessoas não conseguem visualizar nada mentalmente ou têm uma vaga capacidade para tanto. E os estudos feitos por Zeman parecem reforçar a percepção que Galton teve ao consultar seus pares lá no século 19: pessoas com aphantasia têm mais probabilidade de trabalhar nas áreas científicas ou com grande base em exatas.
Em retrospecto e fuçando em todos os links que encontrei, acredito que tenha sido esse post aqui que me tragou para o fenômeno. Sei que na época me impactou profundamente saber que existia um nome e estudos sérios para o que sempre experimentei desde que me conheço por gente.
E é ainda mais interessante que Zeman e sua equipe entraram em contato mais direto com o assunto ao receberem um paciente que começou a sofrer sintomas de aphantasia depois de uma cirurgia. Um tratamento recuperou parte da sua capacidade de visualizar coisas mentalmente, mas eles não imaginavam que ao publicar os resultados da pesquisa seriam contactados por dezenas de pessoas relatando a mesma história. Com uma grande diferença: todas essas pessoas narravam ter simplesmente nascido assim, sem citar um evento causador ou trauma.
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Fecha os olhos e imagina um…
Não. Não consigo.
Lendo livro tal eu não conseguia tirar da cabeça a cena tal e consegui me ver lá dentro e…
Também não.
Não é que tu não sonha, é tu que não lembra.
Tá bem. Então não lembro de 99% dos sonhos que tive na vida.
Será que perto da morte minha vida não vai passar na frente dos meus olhos como num filme?
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Sempre foi um pouco frustrante, como descobrir que só resta 5% de bateria e o carregador ficou em casa. Achava também que era a razão por eu não conseguir desenhar muito mais que bonecos de palitinho e por ter problemas de orientação básica.
Sorte a minha ter grande talento para cálculo e ter dedicado toda a minha vida até aqui a trabalhar como engenheiro de acelerador de partículas e…bem, deixa pra lá.
#2
Algumas recomendações de coisas que me impressionaram, fascinaram ou emocionaram recentemente:
Podcast:
Broken Record com John Frusciante: longa conversa do produtor Rick Rubin com o guitarrista. Como colaboradores de longa data, rende mais de 4 horas de conversa com insights artísticos, humanos e espirituais de um dos gênios de nossa época. São quatro episódios que recomendo fortemente, gostando ou não da música envolvida.
Música:
Maggie Rogers no Tiny Desk: não é somente por ser uma das artistas favoritas da minha filha de 9 anos. Mas de tudo que tenho tentado consumir e entender da nova geração (tiozão detected), Maggie Rogers para mim está muitos degraus acima. Apesar dos arranjos nos discos serem meio modernosos demais pro meu gosto (tiozão detected de novo), o talento de composição que ela demonstra me fez soltar a arriscada e abalizada avaliação em um frase de certo impacto que é: mas é a Joni Mitchell dos 2020’s. Dito tudo isso, aprecie essa performance de três dos hits dela em formato intimista e me diga que estou errado (melhor não).
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